Crónica de um passeio em Aveiro
Ontem decidi dar um passeio de
autocarro. Ainda que pareça caricato eu não sabia onde devia exatamente descer,
sabia que no fim de tudo devia estar na Zona Industrial. O impasse sobre a
paragem prolongou-se no meu diálogo com o motorista, não só pelo interesse de
não perder-me, como para poupar no custo do bilhete. O motorista por seu turno
respondeu sobre os dois locais que associei com o meu destino provável o
seguinte:
- Não sei amigo, eu também não
sou de cá. A zona industrial não vamos a nenhuma, mas passamos sim por...
Cá comigo, devolvi aquela
sensação amargurada do motorista com um pouco de humor…”Vamos jogar a lotaria…talvez
desta nos saia todos o prémio” Na verdade sou muito compassivo para com os mais
velhos, sobretudo nestas profissões que a história associa com o sacrifício e
maus salários. Entretanto eu sou quem tem precisado de muito cuidado. Após duas
paragens, lá vinha outra passageira aflita.
- O autocarro passa por….
O motorista retorquiu a senhora
com falta de piedade nunca imaginada, diante da confusão que existe aqui na
cidade pela mudança das rotas, linhas, horários dos transportes públicos e
semi-publicos e notei parte do discurso
- Isso é no escritório! Vem aqui abusar…..
Naquela minha forma pedagógica de
abordar as coisas, senti-me obrigado a intervir. Esclarecendo-o que para nós, passageiros,
os motoristas são os representantes da empresa, e que o diálogo com eles era
mais confortável que o escritório. Confessei ainda que não sabia onde era o
escritório daquela companhia e sempre me socorri nos motoristas…e depois
continuamos calmamente a viajar até que entrou o melhor passageiro da viagem.
Tratava-se de um menino com cerca
de 8 anos. Já põe óculos para compensar/corrigir algum problema de vista. Ele
como muitos, exprime as tendências do tempo, é “geração tecla e click”.
Enquanto ele mostrava seu livre- passe, tirou um foto ao motorista com o seu
telemóvel, mas a face dele deixou-me perceber que não tinha sido bem-sucedido.
Pensei muitas outras coisas, incluindo uma espécie de admiração do petiz pelos
motoristas. Depois parei de pensar, porque o rapaz passou la para os bancos
traseiros.
Passados alguns, minutos.
Eis que o rapaz reaparece,
senta-se nos bancos de frente e posiciona-se para o que se pensou ser o
desembarque e o motorista perguntou-o sobre onde ele pretendia descer? Enquanto
respondia, tirava o que me pareceu ser a sua melhor foto da viagem…precisavam
ver como eu vi. Voltei a pensar e a questionar-me. Será neto dele? Familiar? O
rapaz fotografava com uma segurança fenomenal. Não tardou a reação do
motorista.
- Vamos combinar uma coisa. Da próxima
vez que me quiseres tirar umas fotos terás que me pedir autorização. Pois que é
a segunda vez que fazes isso.
O rapaz retorquiu afirmativamente
com a cabeça…e passava mais uma paragem eu e ele descemos. Interessou-me questiona-lo, porque é que ele sacou
as fotos. Eu sou mais tímido que ele, não o fiz. Por outro lado, pensei que a
minha atitude, o questionamento da razão, levaria à inibição de uma forma de
ser que até admirei. Fiquei por tirar muitas conclusões, afinal era a segunda
vez que o rapaz lançava um click sobre o motorista.
Aveiro, 20/11/12