Por Boaventura de Sousa Santos
Quem poderia imaginar há uns anos que partidos
e governos considerados progressistas ou de esquerda abandonassem a defesa dos
mais básicos direitos humanos, por exemplo, o direito à vida, ao trabalho e à
liberdade de expressão e de associação, em nome dos imperativos do
“desenvolvimento”?
Acaso não foi por via da defesa
desses direitos que granjearam o apoio popular e chegaram ao poder? Que se
passa para que o poder, uma vez conquistado, se vire tão fácil e violentamente
contra quem lutou para que ele fosse poder? Por que razão, sendo um poder das
maiorias mais pobres, é exercido em favor das minorias mais ricas? Porque é
que, neste domínio, é cada vez mais difícil distinguir entre os países do Norte
e os países do Sul?
Nos últimos anos, os partidos
socialistas de vários países europeus mostraram que podiam zelar tão bem pelos
interesses dos credores e especuladores internacionais quanto qualquer partido
de direita, não parecendo nada anormal que os direitos dos trabalhadores fossem
expostos às cotações das bolsas de valores e, portanto, devorados por elas. Na
África do Sul, a polícia ao serviço do governo do ANC, que lutou contra ao
apartheid em nome das maiorias negras, mata 34 mineiros em greve para defender
os interesses de uma empresa mineira inglesa. Bem perto, em Moçambique, o
governo da Frelimo, que conduziu a luta contra o colonialismo português, atrai
o investimento das empresas extractivistas com a isenção de impostos e a oferta
da docilidade (a bem ou a mal) das populações que estão a ser afectadas pela mineração
a céu aberto. Na Índia, o governo do partido do Congresso, que lutou contra o
colonialismo inglês, faz concessões de terras a empresas nacionais e
estrangeiras e ordena a expulsão de milhares e milhares de camponeses pobres,
destruindo os seus meios de subsistência e provocando um enfrentamento armado.
Na Bolívia, o governo de Evo Morales, um
indígena levado ao poder pelo movimento indígena, impõe, sem consulta prévia, a
construção de uma auto-estrada em território indígena para escoar recursos
naturais. No Equador, o governo de Rafael Correa acaba de ser condenado pela Corte
Interamericana de Direitos Humanos por não ter garantido os direitos do povo
indígena Sarayaku em luta contra a exploração de petróleo nos seus territórios.
Em 2011, a Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicita ao Brasil, mediante uma medida
cautelar, que suspenda imediatamente a construção da barragem de Belo Monte até
que sejam adequadamente consultados os povos indígenas por ela afectados. O
Brasil protesta contra a decisão, retira o seu embaixador na OEA, suspende o
pagamento da sua cota anual à Organização dos Estados Americanos (OEA), retira
o seu candidato à CIDH e toma a iniciativa de criar um grupo de trabalho para propor
a reforma da CIDH e diminuir os seus poderes de questionar os governos sobre
violações de direitos humanos. A suspensão da construção da barragem acaba
agora de ser decretada pelo Tribunal Regional Federal com base na falta de
estudos de impacto ambiental.
Para responder às questões com
que comecei esta crónica vejamos o que há de comum entre todos estes casos.
Todas as violações de direitos humanos estão relacionadas com o neoliberalismo,
a versão mais anti-social do capitalismo nos últimos cinquenta anos. No Norte,
o neoliberalismo impõe a austeridade às grandes maiorias e o resgate dos
banqueiros, substituindo a protecção social dos cidadãos pela protecção social
do capital financeiro. No Sul, o neoliberalismo impõe a sua avidez pelos
recursos naturais, sejam eles os minérios, o petróleo, o gás natural, a água ou
a agro-indústria. Os territórios passam a ser terra e as populações que nelas
habitam, obstáculos ao desenvolvimento que é necessário remover quanto mais
rápido melhor. Quando a democracia concluir que não é compatível com este tipo
de capitalismo e decidir resistir-lhe, pode ser demasiado tarde. É que,
entretanto, pode o capitalismo ter já concluído que a democracia não é
compatível com ele.
In Jornal Savana, 24, 08 ,2010
COMENTÁRIOS E DEBATES SUGERIDOS
Muitos comentários podíamos
levantar sobre esta leitura, a começar pelo título, As últimas trincheiras, será que a guerra terminou, ou se
vislumbram vencidos.
Interessante neste texto é notar
como no primeiro parágrafo Boaventura de Sousa Santos evidencia o distanciamento
do novo paradigma desenvolvimentista com supressão de ingredientes deste
processo tomando em conta o conceito das Nações Unidas [development is a
comprehensive economic, social, cultural and political process, which aims at
the constant improvement of the well-being of the entire population and of all
individuals on the basis of their active, free and meaningful participation in
development and in the fair distribution of benefits resulting therefrom, (UN,
1986) ]. Afinal, os básicos direitos humanos cabem ou não no conceito de
Desenvolvimnto?
O texto é tão atual que no leque
de questionamentos cobre inclusivamente os recentes acontecimentos da vizinha
África do Sul nas minas de Marikana, (um tema que promete acesas reflexões no
campo da justiça social….sobre este caso, as últimas notícias indicam que os massacrados
mineiros são hoje reús diante dos tribunais sul africanos). Questiona-se igualmente
o processo de atração de investimento em Moçambique com isenção de impostos, a baixa
qualidade dos reassentamentos nas áreas de mineração e toda a responsabilidade
social e estadual para que no fim o principio de win-win ocorra entre os
stakeholders.
Por outro lado, num
pronunciamento recente de uma entidade religiosa portuguesa, D. Carlos Azevedo
exigia dos políticos locais uma nova pedagogia diante da problemática da crise
do desenvolvimento, ou seja, “O que mais é preciso, neste momento, é pedagogia
social, para ensinar as pessoas a viver de outra maneira, para ajudar as
pessoas a deixar de pensar que isto vai passar e vamos voltar ao antigamente”,
disse o prelado à Rádio Renascença.
Esta é a leitura que vos sugerimos com muita
expectativa de debate em volta de temas como Socialismo, Estado Bem Estar
Social entre outros.