Friday, August 31, 2012

As últimas trincheiras


Por Boaventura de Sousa Santos

 Quem poderia imaginar há uns anos que partidos e governos considerados progressistas ou de esquerda abandonassem a defesa dos mais básicos direitos humanos, por exemplo, o direito à vida, ao trabalho e à liberdade de expressão e de associação, em nome dos imperativos do “desenvolvimento”?
Acaso não foi por via da defesa desses direitos que granjearam o apoio popular e chegaram ao poder? Que se passa para que o poder, uma vez conquistado, se vire tão fácil e violentamente contra quem lutou para que ele fosse poder? Por que razão, sendo um poder das maiorias mais pobres, é exercido em favor das minorias mais ricas? Porque é que, neste domínio, é cada vez mais difícil distinguir entre os países do Norte e os países do Sul?
Nos últimos anos, os partidos socialistas de vários países europeus mostraram que podiam zelar tão bem pelos interesses dos credores e especuladores internacionais quanto qualquer partido de direita, não parecendo nada anormal que os direitos dos trabalhadores fossem expostos às cotações das bolsas de valores e, portanto, devorados por elas. Na África do Sul, a polícia ao serviço do governo do ANC, que lutou contra ao apartheid em nome das maiorias negras, mata 34 mineiros em greve para defender os interesses de uma empresa mineira inglesa. Bem perto, em Moçambique, o governo da Frelimo, que conduziu a luta contra o colonialismo português, atrai o investimento das empresas extractivistas com a isenção de impostos e a oferta da docilidade (a bem ou a mal) das populações que estão a ser afectadas pela mineração a céu aberto. Na Índia, o governo do partido do Congresso, que lutou contra o colonialismo inglês, faz concessões de terras a empresas nacionais e estrangeiras e ordena a expulsão de milhares e milhares de camponeses pobres, destruindo os seus meios de subsistência e provocando um enfrentamento armado. Na Bolívia, o governo de  Evo Morales, um indígena levado ao poder pelo movimento indígena, impõe, sem consulta prévia, a construção de uma auto-estrada em território indígena para escoar recursos naturais. No Equador, o governo de Rafael Correa acaba de ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não ter garantido os direitos do povo indígena Sarayaku em luta contra a exploração de petróleo nos seus territórios. 
Em 2011, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) solicita ao Brasil, mediante uma medida cautelar, que suspenda imediatamente a construção da barragem de Belo Monte até que sejam adequadamente consultados os povos indígenas por ela afectados. O Brasil protesta contra a decisão, retira o seu embaixador na OEA, suspende o pagamento da sua cota anual à Organização dos Estados Americanos (OEA), retira o seu candidato à CIDH e toma a iniciativa de criar um grupo de trabalho para propor a reforma da CIDH e diminuir os seus poderes de questionar os governos sobre violações de direitos humanos. A suspensão da construção da barragem acaba agora de ser decretada pelo Tribunal Regional Federal com base na falta de estudos de impacto ambiental.
Para responder às questões com que comecei esta crónica vejamos o que há de comum entre todos estes casos. Todas as violações de direitos humanos estão relacionadas com o neoliberalismo, a versão mais anti-social do capitalismo nos últimos cinquenta anos. No Norte, o neoliberalismo impõe a austeridade às grandes maiorias e o resgate dos banqueiros, substituindo a protecção social dos cidadãos pela protecção social do capital financeiro. No Sul, o neoliberalismo impõe a sua avidez pelos recursos naturais, sejam eles os minérios, o petróleo, o gás natural, a água ou a agro-indústria. Os territórios passam a ser terra e as populações que nelas habitam, obstáculos ao desenvolvimento que é necessário remover quanto mais rápido melhor. Quando a democracia concluir que não é compatível com este tipo de capitalismo e decidir resistir-lhe, pode ser demasiado tarde. É que, entretanto, pode o capitalismo ter já concluído que a democracia não é compatível com ele.
In Jornal Savana, 24, 08 ,2010

COMENTÁRIOS E DEBATES SUGERIDOS
Muitos comentários podíamos levantar sobre esta leitura, a começar pelo título, As últimas trincheiras, será que a guerra terminou, ou se vislumbram vencidos.

Interessante neste texto é notar como no primeiro parágrafo Boaventura de Sousa Santos evidencia o distanciamento do novo paradigma desenvolvimentista com supressão de ingredientes deste processo tomando em conta o conceito das Nações Unidas [development is a comprehensive economic, social, cultural and political process, which aims at the constant improvement of the well-being of the entire population and of all individuals on the basis of their active, free and meaningful participation in development and in the fair distribution of benefits resulting therefrom, (UN, 1986) ]. Afinal, os básicos direitos humanos cabem ou não no conceito de Desenvolvimnto?

O texto é tão atual que no leque de questionamentos cobre inclusivamente os recentes acontecimentos da vizinha África do Sul nas minas de Marikana, (um tema que promete acesas reflexões no campo da justiça social….sobre este caso, as últimas notícias indicam que os massacrados mineiros são hoje reús diante dos tribunais sul africanos). Questiona-se igualmente o processo de atração de investimento em Moçambique com isenção de impostos, a baixa qualidade dos reassentamentos nas áreas de mineração e toda a responsabilidade social e estadual para que no fim o principio de win-win ocorra entre os stakeholders.

Por outro lado, num pronunciamento recente de uma entidade religiosa portuguesa, D. Carlos Azevedo exigia dos políticos locais uma nova pedagogia diante da problemática da crise do desenvolvimento, ou seja, “O que mais é preciso, neste momento, é pedagogia social, para ensinar as pessoas a viver de outra maneira, para ajudar as pessoas a deixar de pensar que isto vai passar e vamos voltar ao antigamente”, disse o prelado à Rádio Renascença.

Esta é a leitura que vos sugerimos com muita expectativa de debate em volta de temas como Socialismo, Estado Bem Estar Social entre outros.